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By Ferramentas Blog

sábado, 23 de abril de 2011

Um passeio na memória - Capítulo III

Maio 2007

Hospital Pedro Hispano, Cuidados Intensivos, enfermaria singular ao virar do corredor, cinquenta e sete dias internado.
        Estou completamente aterrorizada. Pareço uma criança que se perdeu, perdi a minha bússola. Perdi-me. E tenho medo, tenho muito medo. Na verdade, estou em pânico.
        É aterrador vê-lo naquela cama, rodeado de máquinas, dependente de todos, frágil, vulnerável. Já não é a imponente figura. Mas ainda assim transmite um sentimento de segurança tal que se fechar os olhos, ignorar os sons e cheiros, ele já não está frágil, nem debilitado, nem doente.     
        E num momento sou transportada para outro espaço. Um cheiro a maresia invade-me, um barulho confortável e as cores… brilhantes, frescas, alegres, felizes. Risos, conversas, carinhos. Felicidade no ar. E depois, uma voz chama-me «Lauda…», olho para o lado, e ali estava ele… o meu pai. A chamar-me a atenção para que não me perdesse como tantas vezes acontecia. Ele estava ali a ensinar-me e a proteger-me. Ali estava ele, a chamar-me e a rir. E o riso era tão puro, o olhar tão brilhante, que me dava o imediato impulso de correr na sua direcção. As horas passavam, mas não para nós, porque nós riamo-nos e corremos, brincamos. Mas eu aí só tinha seis anos, agora… tenho treze anos e a voz que me chamava está muito distante, o olhar modificou-se. Já não vai correr comigo, não vai rir comigo, nem fingir lutar comigo, mas sim lutar por ele. Numa realidade bem dramática, ele tem que lutar. E para cada sorriso é uma batalha. Por uns momentos, fecho os olhos e volto a ter seis anos, vou buscar aí forças e sorrisos, depois… volto aos treze, olho para o meu pai e sorrio, entrego-lhe a minha confiança, a minha força. Tal como ele o fez… Desta vez, a minha função era proteger e não ser protegida e eu tinha de me preparar para isso.
        No dia de anos dele, fui a primeira a entrar. A caminho do quarto deu-me uma vontade de chorar tal, que me encostei a uma parede do corredor, respirei e convenci-me de que não iria fraquejar. Depois avancei… entrei no quarto, e dei-lhe o meu melhor sorriso, abracei-o e inspirei o seu cheiro. Entreguei-lhe as minhas prendas e ajudei-o a abri-las. Parecia uma criança no Natal. Disse que o adorava e ele deu-me um beijo. Tinha ganho o meu dia, no entanto, era o seu dia de anos e estava privado do seu maior bem… a Liberdade.
        Saí do quarto, voltamos para a casa, e procurei o meu refúgio, onde nada nem ninguém me olhava ou julgava. Onde era só eu e o silêncio, onde eu não tinha de ser forte, não tinha de sorrir. Ali, eu podia chorar…

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