Agosto 2007
O dia estava chuvoso, apesar de ser Agosto, como se adivinhasse o que iria acontecer. Acordei, respirei fundo e preparei-me para mais um dia. Ao levantar-me ouço vozes, vozes que eu conhecia, o tom ia aumentando e aumentando e depois de estar completamente acordada, percebi. As vozes que iam subindo o tom de discussão, eram as dos meus pais. Desci muito calmamente até à cozinha, e perguntei o que se passava. Instalou-se um silêncio, a minha mãe não olhava para mim e o meu pai estava diferente. Nunca o tinha visto daquela maneira. O olhar antes sofrido tinha dado lugar ao desespero, à fúria. Durante segundos que mais pareciam anos, aquele silêncio instalou-se. Questionei-os outra vez, mas desta vez tinha a voz trémula. Não percebera bem porquê. Talvez porque não queria a resposta, talvez porque tinha medo do significado daquele olhar. Mas então que… o silêncio fugiu, e o meu pai disse a frase mais chocante da minha vida “Dá-me a arma!”.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
domingo, 24 de abril de 2011
sábado, 23 de abril de 2011
Um passeio na memória - Capítulo III
Maio 2007
Hospital Pedro Hispano, Cuidados Intensivos, enfermaria singular ao virar do corredor, cinquenta e sete dias internado.
Estou completamente aterrorizada. Pareço uma criança que se perdeu, perdi a minha bússola. Perdi-me. E tenho medo, tenho muito medo. Na verdade, estou em pânico.
É aterrador vê-lo naquela cama, rodeado de máquinas, dependente de todos, frágil, vulnerável. Já não é a imponente figura. Mas ainda assim transmite um sentimento de segurança tal que se fechar os olhos, ignorar os sons e cheiros, ele já não está frágil, nem debilitado, nem doente.
E num momento sou transportada para outro espaço. Um cheiro a maresia invade-me, um barulho confortável e as cores… brilhantes, frescas, alegres, felizes. Risos, conversas, carinhos. Felicidade no ar. E depois, uma voz chama-me «Lauda…», olho para o lado, e ali estava ele… o meu pai. A chamar-me a atenção para que não me perdesse como tantas vezes acontecia. Ele estava ali a ensinar-me e a proteger-me. Ali estava ele, a chamar-me e a rir. E o riso era tão puro, o olhar tão brilhante, que me dava o imediato impulso de correr na sua direcção. As horas passavam, mas não para nós, porque nós riamo-nos e corremos, brincamos. Mas eu aí só tinha seis anos, agora… tenho treze anos e a voz que me chamava está muito distante, o olhar modificou-se. Já não vai correr comigo, não vai rir comigo, nem fingir lutar comigo, mas sim lutar por ele. Numa realidade bem dramática, ele tem que lutar. E para cada sorriso é uma batalha. Por uns momentos, fecho os olhos e volto a ter seis anos, vou buscar aí forças e sorrisos, depois… volto aos treze, olho para o meu pai e sorrio, entrego-lhe a minha confiança, a minha força. Tal como ele o fez… Desta vez, a minha função era proteger e não ser protegida e eu tinha de me preparar para isso.
No dia de anos dele, fui a primeira a entrar. A caminho do quarto deu-me uma vontade de chorar tal, que me encostei a uma parede do corredor, respirei e convenci-me de que não iria fraquejar. Depois avancei… entrei no quarto, e dei-lhe o meu melhor sorriso, abracei-o e inspirei o seu cheiro. Entreguei-lhe as minhas prendas e ajudei-o a abri-las. Parecia uma criança no Natal. Disse que o adorava e ele deu-me um beijo. Tinha ganho o meu dia, no entanto, era o seu dia de anos e estava privado do seu maior bem… a Liberdade.
Saí do quarto, voltamos para a casa, e procurei o meu refúgio, onde nada nem ninguém me olhava ou julgava. Onde era só eu e o silêncio, onde eu não tinha de ser forte, não tinha de sorrir. Ali, eu podia chorar…
terça-feira, 19 de abril de 2011
Um passeio na memória - Capítulo II
Fevereiro 2007
Desde as últimas férias que nada andava muito bem, a minha mãe andava sempre cansada e teve de ficar em casa porque não conseguia acompanhar o ritmo de trabalho. Ninguém me dizia nada, ninguém me explicava nada. Entre bocados de conversa, eu e a minha irmã percebemos. A minha mãe estava com uma anemia porque tinha um fibromiona, um tumor benigno. Nada de muito grave mas tinha de ser removido. Marcou-se a cirurgia.
Na verdade, nunca pensei que fosse algo grave. Nunca fiquei verdadeiramente preocupada porque pensei que era algo fácil. Mas, depois da cirurgia, a médica explicou-nos que o tumor estava num lugar perigoso e que corria o risco de provocar danos sérios na bexiga. Mas, que com sorte, conseguiram remover tudo e a cirurgia tinha sido um sucesso.
A minha mãe passou uma semana internada pois a anemia não passava, apesar das várias transfusões sanguíneas, e eu passava os meus dias lá. Saía da escola e ia directa ao hospital, às 19h30 a hora de visita acabava e eu tinha de sair. Foram várias as vezes em que tive de disfarçar o facto de estar quase a desmaiar quando a comida vinha. A minha mãe odiava a comida de lá, se eu desmaiasse a probabilidade de ela a comer era mínima. Sentava-me disfarçadamente ou dizia que ia à casa-de-banho enquanto me recompunha. Nunca dei sinais que estava preocupada ou a sofrer, não era disso que ela precisava.
Depois dessa semana voltámos para casa, toda a gente a sentir-se muito melhor, até que a minha mãe ganhou uma infecção na cicatriz da operação e, pela primeira vez, o meu pai mostrava sinais de preocupação. Mas com a medicação e cuidados médicos, tudo se resolveu.
Estávamos todos radiantes. Tudo tinha acabado, pensei eu. Mal eu sabia que era o menor dos nossos problemas…
domingo, 17 de abril de 2011
Um passeio na memória - Capítulo I
O início…
Tive uma infância feliz, completamente feliz.
Nunca fui muito amiga de ninguém da escola, mas também nunca tive falta de amigos. Sempre fui muito fácil de arranjar pessoa com quem conversar, em cinco minutos na praia conseguia arranjar alguém com quem pudesse brincar. Em casa, não podia ser mais perfeito. Tinha uma família adorável, uns pais fantásticos e uma irmã descomunal.
Nunca fui muito de birras e de amuos. Chateava-me, naturalmente, mas em cinco minutos, tudo me passava.
Se me pedissem para me lembrar de algum momento verdadeiramente feliz, teria de falar dos dias de domingo. Sempre foram especiais, quer fosse no Verão ou Inverno. A minha mãe tirava sempre o domingo para ficar em casa, e portanto, era o único dia de família da semana. No Inverno, começávamos o dia em eu e a minha irmã a correr para a cama dos meus pais, já só com a minha mãe porque o meu pai tinha ido tomar o pequeno-almoço, e víamos desenhos animados. Depois íamos almoçar uma delícia qualquer que toda a gente adorava. Mais tarde juntávamos todos na sala, um cobertor era estendido no chão para que eu e a minha irmã pudéssemos brincar à vontade, a lareira era ligada e na televisão dava filmes ao gosto de cada um, dependendo dos dias. Era um sítio tão acolhedor, aquela harmonia e paz no ar. Era uma família repleta de amor. Enquanto os meus pais viam os filmes, eu e a minha irmã andávamos de um lado para o outro a correr, a dançar, a brincar com tudo e todos.
Chegava a hora do lanche, chocolate quente e bolos, lembro-me perfeitamente. E eu pendurava-me no meu pai, para que servisse de transporte até à mesa. Adorava tudo aquilo.
No Verão, tudo era muito semelhante. A única diferença era o facto de a brincadeira na sala com a lareira poder ser substituída por um dia de praia, um passeio no parque e quem sabe um jantar de cachorros na praia. O quanto me lembro de adorar comer aqueles cachorros.
Sim, os Domingos sempre foram um marco na minha vida. Sempre me trouxeram muita alegria.
As férias, já mais tarde, também se tornaram algo importante. Compramos uma auto-caravana e viajávamos sem destino. Em qualquer sítio que gostássemos, parávamos e fazíamos o que quiséssemos, às horas que quiséssemos durante as férias. Era algo que toda a família adorava. O facto de não termos horários para comer, para dormir, para estar em algum lado era o que nos atraia. O facto de não termos de depender de ninguém senão de nós mesmos.
É por tudo isto que a situação seguinte foi um autêntico choque. Ninguém esperava nada disto, eu não esperava nada disto e nunca o tinha imaginado…
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